terça-feira, 14 de abril de 2015

MPT: Terceirização vai gerar apadrinhamento e impedir ascensão profissional

ENTREVISTA: O procurador regional do Trabalho, João Batista Machado Júnior, vice coordenador nacional da Coordenadoria de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT), concedeu entrevista sobre o projeto de terceirização que está tramitando na Câmara dos Deputados. O texto original já foi aprovado e as emendas estão previstas para serem votadas ainda nesta terça-feira (14). O procurador defende que a legalização das terceirizações poderá provocar o fim dos concursos públicos, o impedimento da ascensão profissional e a volta do apadrinhamento político.
Foto: Ascom / MPT

Como o senhor viu o movimento do Governo em tentar alterações no texto-base do PL 4330 para garantir a arrecadação fiscal?
Na medida em que o Governo se propõe em levar uma proposta de emenda ao texto originário do PL 4330 para garantir que os tributos federais fossem retidos pelo contratante da empresa terceirizada, isso, a meu ver, revela uma confissão de que não é confiável o pagamento de suas obrigações pelas empresas terceirizadas. Para o Estado, tanto faz os tributos serem recolhidos pela terceirizada ou pela contratante. Se ele quer que o imposto seja recolhido pela contratante, é por que ele não confia na idoneidade econômica, financeira e até mesmo na capacidade de pagamento da terceirizada.

A justificativa dos empresários é de que com a terceirização haverá uma redução nos custos para contratação de empregados. Isso procede?
Se o projeto propõe, de maneira não revelada, a redução de custos e isso facilitaria a contratação de mais trabalhadores, segundo propagam os defensores desse projeto, o que a gente vê é que essa redução só poderá acontecer com o pagamento de salários menores para os terceirizados. Ou seja, vai ampliar o quadro que existe hoje, em que o número de trabalhadores terceirizados contratados corresponde a um terço dos trabalhadores efetivos. Nesse universo de um terço, quando a gente vai a campo investigar, verifica que eles recebem menos, tem uma jornada maior, se acidentam mais... e o pior: o maior número de trabalhadores resgatados em condições análogas à de escravo são terceirizados. Se esse é o quadro atual, imagina quando abrir para todas as atividades nas empresas.

Mas já se fala em mais empregos com a terceirização. Isso não irá acontecer? E a que preço?
Isso é uma falácia. Ora, se há a necessidade, eles já podem contratar hoje diretamente. Se ele não está contratando diretamente, é porque quer contratar um trabalhador mais barato. O que nós vamos ter, de fato, é a substituição de mão de obra contratada. Sairão os contratados regularmente, que tem uma remuneração maior, que serão substituídos por trabalhadores terceirizados. Haverá uma migração de um lado para o outro. Mas, não um acréscimo.

Com a aprovação do PL, todas as atividades poderão ser terceirizadas. Não haverá mais diferença entre atividade-meio e atividade-fim?
O projeto busca terminar com essa definição terminológica criada pela jurisprudência. Hoje, consolidada na Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho. A súmula diz que só pode haver terceirização na atividade-meio, além de atividades de limpeza, conservação e vigilância. O projeto quer acabar com essa distinção, porque eles dizem que não tem segurança em saber o que é atividade-fim e o que é atividade-meio. Se não houver distinção, o que se pode concluir é que a terceirização será ampla, irrestrita e ilimitada. Podemos imaginar, portanto, uma escola que não terá nenhum professor. Todos poderão ser contratados indiretamente. Alguns argumentam que isso não será possível, porque só poderão ser contratadas empresas especializadas. Mas, quem pode impedir que a empresa insira no contrato social a cláusula “empresa especializada em serviços educacionais”. Com a aprovação do projeto, amanhã, nós teremos, numa escola, desde o porteiro até o professor terceirizado.

E como ficaria, então, a contratação de Organizações Sociais para gerir serviços de saúde pública?
No caso da terceirização na saúde pública, temos outro empecilho constitucional. A Constituição diz que a terceirização na saúde pública deve ser atividade complementar. Só pode haver terceirização, nesse caso, em caráter complementar ao que já é ofertado pelo poder público. Complementar é algo que vem somar ao que já vem sendo prestado pelo poder público e que não é suficiente. Mas, o que se verifica na prática é uma substituição do poder público pelas Organizações Sociais. O que verificamos é que o poder público constrói o prédio, compra os equipamentos, vai repassar mês a mês dinheiro para pagamento de pessoal, só que quem vai administrar é a Organização Social.

A terceirização também pode ser o fim dos concursos públicos? E a institucionalização do apadrinhamento político?
No primeiro momento, o projeto está permitindo a terceirização apenas para empresas públicas e sociedades de economia mista. Como por exemplo: os Correios, Banco do Brasil, Caixa Econômica, que, atualmente, são obrigadas a contratar por concurso público. Com a aprovação, elas poderão terceirizar os seus serviços. Com isso, deixarão de realizar concurso público para contratar empresas terceirizadas. Vemos aqui uma ofensa a um princípio constitucional do acesso ao emprego público por concurso. A regra meritória do ingresso por concurso público será descartada. Voltaremos a ser regidos por aquela velha prática anterior à Constituição de 88: do apadrinhamento político. E isso é ruim porque precariza o serviço. O cidadão terá um serviço de menor qualidade. Porque são pessoas que entram com o compromisso não com o serviço público, mas com quem lhe colocou lá, quem lhe indicou e quem está mantendo ele naquele emprego.

A terceirização impede a ascensão profissional. O trabalhador terceirizado é contratado para aquele serviço especificamente. Ele não tem a oportunidade de crescer no ambiente de trabalho. Porque ele trabalha para um tomador que precisa daquele serviço que ele sabe fazer. E mais: como os salários serão menores e os tributos incidem sobre eles, a arrecadação vai diminuir, diminuindo a capacidade de investimento do governo em serviços para a sociedade. Vale lembrar que, como já afirmei, não acredito que o PL propiciará uma elevação no número de empregos, mas simplesmente uma troca do trabalhador efetivo, que ganha mais, por um terceirizado, que ganha menos. Assim, a base de cálculo dos tributos será menor

João Batista Machado Júnior, procurador regional do Trabalho

O senhor acredita que a terceirização traz embutida a corrupção?
Uma ampliação da terceirização, que se inicia pelas empresas públicas e de sociedades economia mista e que, posteriormente, poderá estender-se para toda a administração. Então, assim, até mesmo na administração direta não haverá mais concurso público para Estados, Municípios e União. Os prejuízos não são apenas para os trabalhadores, mas para toda a sociedade. Se a gente parar para avaliar que a grande parte da corrupção no País, se dá na terceirização na iniciativa pública. Já que o poder público utiliza contratos terceirizados para práticas de corrupção, isso vai aumentar ilimitadamente. Esse é o cenário que se avizinha.

De que maneira o Ministério Público do Trabalho está se articulando para tentar barrar a aprovação desse projeto?
No momento em que já houve a aprovação na Câmara, nós já estamos voltando as ações para o Senado. Porque poderemos ter lá uma votação diferente. Nessa semana, participamos de uma discussão naquela casa debatendo esse projeto de lei 4330, que trata da ampliação ilimitada da terceirização. Estamos tentando convencer os senadores dos malefícios que esse projeto, em sendo aprovado, causará a todos. Veja que até a arrecadação cairá, porque se a lógica desse projeto é reduzir custos e esses custos são calculados sobre os salários, se diminui o número de trabalhadores contratados, diminui o tributo. E se passar, e for sancionado pela presidente, ou, mesmo sendo votado pela presidente e o veto não sendo mantido em reunião conjunta das duas casas, só restará o Supremo Tribunal Federal.

E quais seriam as bases de uma ação levada ao Supremo?
Nós iríamos levar ao Supremo uma ação direta de inconstitucionalidade questionando a ofensa aos direitos constitucionais aos trabalhadores, ofensa a direitos fundamentais assegurados na Constituição, como o direito de greve, o direito de negociação coletiva. Porque, com a terceirização, há uma fragmentação dos trabalhadores. Eles não se inserem mais no contexto da empresa. Eles são da empresa terceirizada e estão trabalhando para um outro. Aquela relação bilateral do trabalhador ser contratado por quem vai tomar seu serviço acaba. Hoje, ele estará prestando serviço para um tomador, amanhã, para outro. Ele não se insere no ambiente de trabalho. Com isso, ele não se agrega, ele não se une, ele não conhece, muitas vezes, sequer os outros colegas de trabalho da mesma empresa terceirizada. Então, são trabalhadores com pouca força de articulação para discutir os seus direitos.

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