quarta-feira, 16 de setembro de 2015

'Base social do PT se afasta e cresce risco de impeachment'

O governo federal procura equilibrar despesas e receitas, mas, politicamente, o saldo entre os custos e benefícios do ajuste fiscal deve cobrar um preço alto para a presidente Dilma Rousseff. É o que prevê o cientista político Luís Felipe Miguel, da Universidade de Brasília (UnB), para quem o comportamento dos movimentos sociais tende a mudar com o corte na carne da base social do PT, anunciado na segunda-feira pelos ministros Joaquim Levy (Fazenda) e Nelson Barbosa (Planejamento).
A possibilidade de Dilma enfrentar uma onda de protestos de rua à esquerda - como o promovido ontem pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), em São Paulo - ainda é considerada pequena. "Os movimentos sociais estão meio enferrujados, depois de 12 anos de cooptação ou, usando uma expressão mais suave, forte interlocução com o governo do PT. Demora um tempo até engatarem uma atitude contrária. Não é do dia para noite que vão mudar de chave", diz Miguel.
Por outro lado, cresce o risco de a presidente sofrer um impeachment na medida em que os cortes no Orçamento de 2016 atingem setores tradicionais de sustentação do PT, que ficam sem ânimo para reagir e sair às ruas em defesa do mandato de Dilma Rousseff, analisa o cientista político. É o caso dos servidores públicos, cujos reajustes salariais - que já eram considerados insuficientes - devem ser adiados por seis meses. "O funcionalismo sente que está voltando para o governo FH", afirma.
Até agora, lembra Miguel, entidades que orbitam no campo do PT - como CUT, UNE e MST - raciocinaram pela lógica "ruim com Dilma, pior sem ela". Mas a partir do momento em que a presidente passar a tesoura em verbas de áreas como saúde, educação, habitação e saneamento, a vantagem entre o "ruim" e o "pior" se estreita. "Quanto menor for essa diferença, menor será a energia popular em defesa da Dilma", diz Miguel.
Para o cientista político, o governo já deu tantos passos para longe das forças que poderiam ajudá-lo que não consegue mais do que um "apoio envergonhado, tímido, morno". Sobra essa "coisa de apoio à democracia", o que num momento crítico talvez seja insuficiente para a preservação do mandato de Dilma, afirma. O cidadão poderá até ser contra o impeachment, mas terá menos incentivo para se mexer a favor da presidente. "Uma coisa é ser contra, outra é se mobilizar", pontua.
Miguel diz que o programa da oposição traz a expectativa de um governo pós-Dilma que será pior ainda do ponto de vista dos movimentos sociais - se tomada como plataforma artigo publicado no fim de semana pelo ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, anunciado na campanha do ano passado como ministro da Fazenda, caso o senador Aécio Neves (PSDB-MG) fosse eleito.
Mas a política do segundo mandato de Dilma tem ido a tal ponto na contramão das ideias de esquerda que "quanto mais o governo aprofunda o ajuste, mais aliena sua possível base social", analisa Luís Felipe Miguel.
"Com os cortes no Orçamento, a diferença entre o ruim e o pior vai ficando cada vez menor. A situação de Dilma se complica. O que era fator importante para retardar movimentos pró-impeachment está cada vez mais distante. Dilma não cogita um aceno e tem cada vez menos margem de manobra", diz.
Em sua opinião, o aprofundamento do aperto fiscal - depois que a agência de classificação de risco Standard & Poor's retirou o selo de bom pagador do país - pode contribuir para que os movimentos sociais saiam de cima do muro de manifestações que são contrárias aos cortes de gastos, mas a favor do governo. "A conjuntura política tem paralisado esses movimentos, que não querem ser confundidos com os grupos conservadores que foram às ruas. O ajuste pode contribuir para romper esse impasse, para sair da ambiguidade. Talvez você tenha o que faltava para eles deixarem a estratégia baseada em pressão e apoio para se concentrarem apenas em mais pressão", diz o cientista político.
Ainda assim, Luís Felipe Miguel vê riscos para a governabilidade e o mandato de Dilma mais pelo lado da inação do que pela ação dos movimentos sociais. "O ajuste fiscal é muito contrário às bandeiras dessas entidades. Motivos existem, mas não profetizaria que farão protestos massivos. Precisam acumular forças. As últimas tentativas de manifestação contra os "coxinhas" (conservadores) foram muito fracas", diz.
A conta de Miguel é simples: quanto menor for um déficit fiscal às custas da base social do PT, maior será o déficit político do governo, de Dilma e de seu partido. Uma saída para o dilema seria promover o reequilíbrio das contas públicas penalizando os estratos mais ricos da população, o que, no entanto, não é viável, paradoxalmente, pela falta de respaldo popular e dos segmentos mais pobres que não pressionam o Congresso.
O professor da UnB afirma que as propostas de derrubar a presidente já não parecem um delírio como no início do ano: "Não há dúvida de que a ideia do impeachment está amadurecendo".
Os interesses na oposição, pondera, são divergentes - há aqueles que preferem que o PT sangre até 2018 - mas, de novo, Miguel recorre a uma balança entre custos e benefícios que vai pesando contra Dilma.
Em vários países, processos de impeachment levaram à paralisia de decisões políticas e econômicas. Só que o governo parece já estar paralisado, sem capacidade de produzir políticas, argumenta. Com isso, os custos do impeachment diminuem no atual cenário.
Miguel ressalta, porém, que o processo não é fácil, pois "impeachment não é de um governo, é de um presidente". E uma diferença importante em relação ao ex-presidente Fernando Collor, em 1992, é que não há, no caso de Dilma, comprometimento pessoal com os motivos do impeachment. "Não podemos comparar a denúncia do [irmão do ex-presidente] Pedro Collor, com manobras fiscais ou cinzentas de campanha", diz Miguel.
Por outro lado, o cientista político lembra que na América Latina já houve casos de impeachment sem qualquer maior motivo exceto desagrado com o governo de plantão. No Brasil, afirma, há um grau de institucionalidade maior, mas nada disso é definitivo. "Existe um balanço do que pesa mais. Quanto mais o governo fica paralisado, incapaz de responder, menos importante fica esse aspecto legal", diz.
Mas o afastamento de Dilma - sem provas diretas contra a presidente - pode ser considerado um golpe ou um retrocesso institucional? "Acho que sim, pois está fora da cartilha das regras democráticas", defende.
Para Miguel, é preciso haver uma reforma na relação entre os sistemas político e econômico - com proibição das doações de campanha por empresas - "sem falar do sistema de mídia", em virtude do que qualifica de cobertura "extremamente enviesada, parcial". "Se fosse para fazer uma limpa não sobraria ninguém. Há uma demonização do PT - não que o partido seja inocente - que impede ver a relação entre dinheiro e política", argumenta.
Apesar da crítica, o cientista político não exime a presidente petista pela crise que o país atravessa: "Maquiavel dizia que governantes tinham que ter 'virtù' (capacidade, competência) e 'fortuna' (sorte). Faltam os dois a Dilma".
A presidente, em sua visão, tem errado ao apostar na velha cartilha da negociação dos cargos para obter apoio no Congresso. O tradicional artifício da reforma ministerial também dificilmente surtirá efeito porque os benefícios para políticos participarem do governo são cada vez menores por causa de uma espécie de "inflação da governabilidade", argumenta. "Um governo enfraquecido assim é difícil de se estabilizar só com a caneta. O governo anda erraticamente, dá cargo, tira... Oferece uma moeda desvalorizada. O custo para entrar em governo tão impopular e que talvez se arraste até 2018 também aumenta", afirma Miguel.
O problema de Dilma, diz, é que a presidente está sendo acuada pelo Congresso e sua resposta é sempre fazer concessões. "Nunca reage de modo a mobilizar os movimentos sociais e populares de maneira que para os parlamentares seja um custo para eles se afastar do governo. Na política econômica também; não tem o que fazer para aplacar os ânimos. Faz um ajuste fiscal sem dividir a conta com o empresariado, e nem por isso a oposição entende que pode dar trégua, um espaço de respiro", diz.
A cada passo, Dilma aumenta os custos de negociação com os aliados - como o PMDB, depois de ter "queimado" o vice Michel Temer na articulação política -, com o PT e até com Lula, que se tornou um crítico frequente da política econômica. "Talvez seja para resguardar capital político próprio, diante da possibilidade de o governo naufragar. Mas esse movimento é de difícil realização. Pois o governo é do PT. Lula e PT são entidades indissociáveis. E Dilma só chegou ao poder pelo patrocínio do Lula. É improvável criar um distanciamento desse legado", afirma.

Fonte: Valor

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