quarta-feira, 10 de junho de 2015

Movimento estudantil: pelo que eles ainda lutam no Piauí?

Reunido no espaço Rosa dos Ventos da Universidade Federal do Piauí, um grupo de pouco mais de 15 estudantes discutia mudanças no estatuto da instituição e conversava sobre o movimento estudantil no Estado. Sem sucesso, eles tentavam mobilizar os demais estudantes que passavam pelo local se deslocando entre a biblioteca e o Restaurante Universitário (RU).
Entre os jovens que não se atraiam pelo discurso do grupo estava Ana Célia, 25 anos, aluna de Pedagogia da UFPI. Perto de concluir o curso, ela afirma com um sorriso meio sem graça que não se sente representada pelo movimento estudantil e considera uma “perca de tempo” integrar as reuniões.
Ela não está sozinha. O posicionamento de Ana Célia representa hoje a visão da maior parte dos jovens universitários do Piauí e do país. Para eles, o movimento estudantil tem passado por uma crise de representatividade. Entre esses jovens, o movimento tem sido descrito com adjetivos como apático, oportunista e sem bandeira.
INDIVIDUALISMO É APONTADO COMO OBSTÁCULO
Sem conseguir agregar, as lideranças da luta estudantil apontam como um dos obstáculos à mobilização, o individualismo dos jovens desta geração. “Eles estão preocupados apenas em ingressar na universidade e conseguir o diploma no final do curso”, afirma o membro da comissão de Finanças do Diretório Central dos Estudantes (DCE) e estudante do curso de Ciências da Natureza, Hector Belém, 21 anos.
Com cabelo rastafári, blusa com o rosto de Che Guevara e sandália de dedo, ele afirma que o movimento tem sido vítima de um “golpe” de grupos que têm interesse em manter os jovens desmobilizados. Hector acredita que o movimento estudantil passa por um momento de reconstrução e reorganização.
Estudante acredita que o movimento vive um golpe Foto: João Brito Jr/O Olho
Com a voz no tom de quem discursa em uma reunião do movimento, o jovem reflete sobre as dificuldades de mobilização estudantil nos dias de hoje. Ele avalia que hoje a maior parte dos estudantes acompanha de maneira apática a luta pela melhoria da universidade.
REORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO
Passe livre nos ônibus coletivos para estudantes, bandejão de graça no RU e melhorias na estrutura da biblioteca. Esses são os principais pontos elencados como bandeiras de lutas pelos representantes do movimento hoje no Piauí.  Essas bandeiras não se diferem muito das defendidas no passado pelos jovens que chegaram a bloquear as entradas de acesso a UFPI, em 1997, ao reivindicarem pela redução no preço do bandejão do RU.
Mas para o estudante Pablo Lima, 23 anos, que estuda jornalismo na Universidade Estadual do Piauí (UESPI), outras bandeiras como os cortes no orçamento da educação e mais recursos para linhas de financiamento estudantil, como o FIES, começam a integrar a pauta. Ele lamenta que mesmo assim, poucos jovens tenham interesse em participar do movimento.
Pablo era estudante do curso de Direito da faculdade CEUT, mas afirma que foi obrigado a desistir do curso por não ter condições financeiras de arcar com as despesas. “Esse é hoje o drama de muitos jovens que ingressam em faculdades. Essa situação me fez perceber que é preciso participar da luta para defender nossos direitos. Por isso, entrei no movimento”, declara.
Ele avalia que o enfraquecimento das lutas estudantis nas universidades se deve ao momento de reorganização que o movimento estaria passando não só no Piauí, mas em todo país.  
“Em nível de Piauí, o movimento estudantil passa por uma reorganização. Sempre existiu e vai existir o movimento estudantil mesmo ocorrendo tantas contradições e irregularidades. Isso ocorre em todo lugar. O movimento sempre será vivo porque sempre existirão locais em que o estudante vai ser desrespeitado em seus direitos. E  onde isso ocorrer o movimento estudantil vai se organizar”, explica.
Esse posicionamento também é defendido pelo estudante Hector Belém. Para ele, o movimento atrai, hoje, os jovens que se dizem inconformados e não teriam sido dominados pelo “individualismo” da sociedade atual. “Hoje, infelizmente, a maior parte dos jovens entra na universidade e se preocupa apenas em se formar. Vive um individualismo e não luta pela causa. Esse comportamento é reflexo da sociedade em que vivemos hoje”, declarou.
Estudantes na fila do RU da UFPI Foto: Ascom/UFPI
UNE E AS DISPUTAS
Quando cerca de 5 mil pessoas participaram, em Teresina,  das manifestações pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), os estudantes ligados ao movimento, no Piauí, preferiram não ingressar nessa causa. Bandeiras ligadas aos DCEs e Centros Acadêmicos (C.A) das principais instituições de nível superior do estado não estiveram presente.
O motivo desse distanciamento aos protestos não se deve apenas ao enfraquecimento do movimento, mas também, a questões políticas que têm dividido a principal instituição da luta estudantil, a União Nacional dos Estudantes (UNE). Ligada ao governo do PT desde o primeiro mandato do ex-presidente Lula (PT), a UNE tem se dividido em dois grupos e a atual direção sofre a resistência de grupos contrários ao governo.
Para Pablo Lima, o movimento passa por um momento apático e isso se deve em parte a divisão dentro da UNE. “A nível nacional e no Piauí o movimento se reestrutura. Como exemplo, a UNE encontra-se em um momento apático, mas dentre dela existe a pluralidade política. Não é apenas a UNE que representa os estudantes hoje. Ela se divide na majoritária, que é a direção da UNE, que tem tomado direções que vão contra o movimento estudantil, mas tem a oposição de esquerda dentro da UNE que com suas teses vem conseguindo mais espaço”, explicou.
Estudante diz que divisão da UNE é ruim Foto: João Brito Jr/O Olho 
O líder estudantil afirma que a ligação da UNE com o governo tem levado a perda de credibilidade da instituição entre os estudantes. “Muitos estudantes não se sentem mais representados pela UNE. Aqui na UFPI tem várias forças do movimento estudantil, algumas, por exemplo, compõe o movimento estudantil de esquerda da UNE. Como o Rebele-se, o Rua e outras forças que compõe a movimentação política na universidade”, disse.
A UNE sofre hoje a resistência da Assembleia Nacional dos Estudantes Livres (ANEL). Esse grupo nasceu em 2009 e se coloca contra o apoio da UNE ao governo do PT. O estudante de jornalismo da UESPI, Renato Oliveira, 22 anos, afirma que a ANE nasce no momento de reorganização do movimento e atende os anseios dos insatisfeitos com os rumos tomados pela política estudantil no país.
Estudante do segundo período, ele diz que o fato de não se sentir representado foi o maior incentivo para ingressar no movimento. “Que a UNE não representa mais os estudantes não é mais novidade para ninguém. Ela não consegue mais atender as nossas necessidades. Por isso, nasceu a ANEL. A aliança da UNE com o governo afasta os estudantes e enfraquece o movimento. A ANEL vem como uma reação a essa situação”, declarou.
Foto: Mauricio Pokemon
AINDA HÁ MOTIVO PARA LUTAR?
O professor do curso de Jornalismo da UESPI, Daniel Solon, que já foi presidente do DCE da UFPI, avalia que  o individualismo do jovem atual, que prejudica a mobilização estudantil, seria resultado de um bombardeio ideológico sofrido pelo estudante. Segundo ele, o discurso de que não haveria mais bandeiras para lutar faz parte de uma estratégia para desarticular a luta estudantil.
Vestido com uma calça jeans desbotada como na época em que integrava os movimentos estudantis e com uma camisa do sindicato dos Professores da UESPI, que ele representa, Daniel afirma que os governos têm trabalhado para atrapalhar esse momento de reconstrução do movimento. “Os governos tem atraído os jovens como, por exemplo, com a criação de Coordenadorias da Juventude. Com isso, ele consegue controlar esse jovem. Isso é um prejuízo porque esse jovem não vai conseguir resolver os problemas estando lá dentro e nem participa mais da luta”, destacou.
No Piauí, a Coordenadoria da Juventude é comandada por Deolindo Moura, que já fez parte do movimento no estado. Mas por possuir ligações políticas com o PT, faz parte agora do governo de Wellington Dias (PT). Deolindo foi um dos líderes do movimento contra o aumento da passagem de ônibus em 2011. Hoje tem sido figura constante nas solenidades no Palácio de Karnak.
Daniel afirma que o movimento estudantil deveria lutar não apenas por um projeto de universidade, mas de sociedade. Ele acredita que isso poderia atrair mais jovens. “Muitas das pautas que começam a ser discutidas dentro da universidade se tornam pautas de toda sociedade. Ainda há muita coisa para se lutar. Hoje tenta-se criar esse sentimento de individualidade para parecer que não há mais motivos de mobilização. Mas as manifestações contra o governo mostram que isso não é verídico”, diz.
MOVIMENTO ESTUDANTIL E A POLÍTICA
Como no passado, o movimento estudantil ainda é uma espécie de trampolim político para muitos jovens. No Estado, lideranças políticas como o governador Wellington Dias (PT), a vice-governadora, Margarete Coelho (PP), o ex-deputado federal, Osmar Júnior (PCdoB) e o deputado estadual, Evaldo Gomes (PTC), tiveram papel de destaque no movimento estudantil e abriram as portas para o mundo político na luta dentro da universidade.
Mas dentro do movimento, o envolvimento da luta estudantil com a política provoca reações. Para o estudante do curso de Contabilidade, André Oliveira, 32 anos, essa relação entre política partidária e o movimento enfraquece a luta estudantil.
Segundo ele, os “oportunistas” se utilizariam do movimento apenas com o objetivo de conseguir visibilidade política. “Sem dúvida o movimento abre portas para a política. O problema é que um grupo dispensa energia e tempo lutando por algo e um espertinho aproveita o esforço dos outros para ter visibilidade. Isso é errado. E quando chega no poder não ajuda em nada. O movimento condena isso”, declarou.
Mas entre os políticos que conseguiram visibilidade no movimento a visão é diferente. É o caso do deputado estadual, Evaldo Gomes (PTC). Ele foi líder estudantil na Universidade Federal do Piauí, quando cursava Pedagogia. Segundo ele, por não ter vindo de família tradicional, o movimento abriu portas para ele na política.
O parlamentar afirma que jovens de classes menos favorecidas tem no movimento o primeiro contato com a política. “O movimento foi minha primeira experiência política. Eu sou filho de uma dona de casa e de um vigia. Se não fosse o movimento dificilmente teria conseguido entrar na política. Hoje, aquelas pautas que reivindicávamos lá na universidade fazem parte do meu programa político. A defesa da educação é minha principal bandeira”, declara.
FINANCIAMENTO DO MOVIMENTO
A principal fonte de financiamento do movimento estudantil é o dinheiro adquirido pelo DCEs com a convecção da carteira de estudante. Com esse dinheiro, as manifestações são financiadas, eventos como caloradas são organizados. Esse dinheiro permite ainda a compra de materiais usados em manifestações como a convecção de faixas de protestos.
Mas entre os estudantes há o sentimento de que esse movimento vem sendo constantemente atacado. “O direito a meia entrada vem sendo constantemente atacado. Isso faz com que alguns estudante desistam da carteira. Sabemos que movimento estudantil se sustenta  através da conquista que é a carteira de estudante. É a base do movimento. Em Teresina, a carteira de estudante serve para manter e financiar o movimento para que possamos fazer atividades culturais, faixas, banner, manifestações, e em contrapartida, o estudante quando adquire a carteira tem seus diretos. Tentar acabar com isso é um ataque”, afirma o estudante Hector Belém.
Ele afirma que em Teresina outros grupos vêm tentando participar do processo de convecção das carteiras de estudantes. “Em Teresina, ocorre um ataque a esse direito. Em várias faculdades tem um grupo infiltrado para tirar a carteira de forma ilegal. Eles tentam entrar na UFPI, mas o DCE tem a unidade política com os acadêmicos e tem se mantido fortalecido. Lutamos contra esse golpe contra os movimentos estudantis. Analisamos como um golpe porque é uma tentativa de desfragmentar o movimento estudantil. Fragmentados somos mais fracos”, declara.
Os estudantes criticam ainda a decisão do Sindicato das Empresas de Transportess Urbano de Passageiros de Teresina (SETUT) de congelar o valor da tarifa dos estudantes, enquanto aumento o valor da passagem paga pelo trabalhador. “A estratégias deles foi colocar o trabalhador contra o estudante. Além disso, os estudantes se desmobilizaram e não foram para a rua. É um golpe”, explicou.
Com o aumento concedido em janeiro de 2015, os estudantes tiveram congelado o valor da passagem em R$ 1,05. Os demais usuários do transporte pagam R$ 2,50. Só tem direito a pagar a tarifa congelada quem apresenta a carteira de estudante. Apesar de outras entidades se propuserem a fornecer a carteira. O SETUT tem se recusado a aceitar e diz ter legalidade apenas a fornecida pelos DECs das universidades e faculdades do estado.

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