segunda-feira, 27 de julho de 2015

Derrota do Meio Ambiente? Quatro anos se passaram e os lixões brasileiros ainda continuam abertos

Lei dos aterros parece ser nula e 41,6% dos resíduos vão para lixões. Política Nacional criada em 2010 deveria ter sido implementada até agosto de 2014, mas pouco foi feito até agora desde então

Prorrogação. Prorrogação. Essa é a palavra mais comum a quem espera por uma solução para as toneladas de resíduos espalhadas pelos quatro cantos do Brasil. Com a aprovação pelo Senado de prorrogação do prazo para o fechamento dos lixões, foi dado mais um passo para desacreditar a Lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos e que tem como um de seus pontos essenciais aquela medida.

A falta de empenho de todos os que têm uma parcela de responsabilidade na observância dos prazos fixados por essa lei, em especial dos prefeitos, vem de longe. Ela foi sancionada em 2010 e é um duro golpe na defesa do meio ambiente, da qual é peça fundamental.

A proposta, de autoria do senador Fernando Bezerra (PSB-CE) que vai agora para a Câmara, onde sua aprovação é dada como certa por causa da pressão dos prefeitos, estabelece novos e diferenciados prazos para o fim dos lixões, que já deveria ter ocorrido em agosto de 2014. Para as capitais e os municípios que integram regiões metropolitanas, o prazo termina em 31 de julho de 2018; os municípios de fronteira e de população acima de 100 mil habitantes terão um ano a mais; para os que têm entre 50 mil e 100 mil habitantes, a data limite é 31 de julho de 2020; e para os que têm menos de 50 mil habitantes o prazo é 31 de julho de 2021. 

De acordo com Bezerra, esses prazos se justificam pelas dificuldades dos municípios para cumprir a lei. Argumenta que o fechamento de um lixão depende de outras obras, entre as quais a construção de aterros sanitários, de áreas de transbordo e o tratamento de resíduos de construção civil. A relatora da matéria, senadora Vanessa Grazziotin (PC do B-AM), afirma que a lei “não foi realista ao prever um prazo exíguo para que os municípios, especialmente os menores e mais carentes, assumissem a responsabilidade por essa tarefa complexa e dispendiosa.”
Embora Grazziotin tenha apresentado argumentos para justificar o adiamento, os dados colhidos pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostram o descaso dos municípios. No começo de 2014, a CNM revelou que pouco mais de 9% das cidades tinham concluído a primeira fase do processo de eliminação dos lixões, com a elaboração do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS). Meses depois, quando venceu em agosto o prazo para o fim dos lixões, a Confederação afirmou ter constatado que mais de mil das 2.400 cidades consultadas ainda não dispunham de um PGIRS, indispensável para conseguir verba federal para a obra.

Votando um pouco na história. Com receio que os prefeitos virassem alvo de ações judiciais em pleno ano eleitoral, o Palácio do Planalto decidiu dar aval à iniciativa de parlamentares de estender o prazo do fim dos lixões, fixado para 2 de agosto de 2014. Considerado um marco na legislação ambiental, a lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê punições como detenção e multa de até R$ 50 milhões para os gestores que cometerem infrações, como não implementar aterros sanitários para a destinação final adequada dos rejeitos.

Assim, por meio de uma emenda a Medida Provisória 651, o deputado Manoel Júnior (PMDB-PB) tenta viabilizar o adiamento por oito anos do fim dos lixões, ou seja, para 2022. “A grande maioria dos municípios brasileiros, pela situação financeira que enfrentam, ainda não conseguiu se adequar às exigências da lei”, comentou o deputado. A MP 651 trata de uma série de assuntos, como isenção de imposto e tributação de operações de empréstimos. Na ocasião, o governo, por sua vez, concorda com o adiamento, mas não por oito anos.

A implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos esbarra numa série de dificuldades no Brasil. A coleta seletiva, um dos pilares na gestão do lixo, não é plenamente difundida no País: 40,2% dos municípios não têm iniciativas desse tipo, segundo pesquisa da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza e Resíduos Especiais (Abrelpe). Levantamento da CNM constatou que 46,5% dos municípios pesquisados de até 100 mil habitantes não têm plano de gestão integrada de resíduos sólidos.

Em 2015, a realidade parece não ter mudado muito. Pouco se fez para acabar com os lixões e dar um destino final correto aos resíduos sólidos dos municípios brasileiros. Cinco anos atrás, 42,4% dos resíduos coletados iam para lixões ou aterros controlados (que não são sanitários). No ano passado, 41,6% tinham esse fim. Uma melhora de apenas 0,8 ponto porcentual. Pela lei, no entanto, o País não deveria ter mais nenhum lixão desde 2 de agosto de 2014. A destinação incorreta deveria ser nula. 

Essa estatística faz parte de um levantamento anual feito pela Abrelpe. A análise, referente a 2014, aponta que mais de 78 milhões de brasileiros – o equivalente a 38,5% da população do País – não têm acesso a serviços de tratamento e destinação correta de resíduos. Estavam nessa situação, que configura crime ambiental, 3.334 municípios – entre eles, a capital, Brasília.

Segundo informações do vídeo publicado em 24/07/2015, no site do jornal Estadão/TV Estadão, atualmente, a coleta seletiva atende apenas 6,5% do lixo produzido em Brasília. O Lixão da Estrutural, a apenas 15 km da cidade, recebe diariamente 8,7 mil toneladas de resíduo. Possuem 1200 catadores que sobrevivem das sobras. “Vivemos com o que já não tem valor para ninguém. Sobrevivendo dos restos dos restos. Nos sentimos largados, sozinhos. A coleta seletiva não chega aos galpões pior ainda no lixão”, disse um dos catadores entrevistados.

Mas, o que acontecerá com as pessoas que hoje vivem do lixão da Estrutural quando ele for fechado? De acordo com o vídeo, o governo pretende transferir os catadores para 12 centros de triagem do novo aterro, porém nenhum deles ainda está pronto.

Belém (PA) e São Luís (MA), também não apresentavam uma destinação adequada em 2014, data do estudo, mas fecharam seus lixões e inauguraram aterros sanitários nos últimos meses.“A verdade é que a lei não foi capaz de estimular uma mudança de hábitos. Houve alguns avanços, a lei trouxe o assunto para discussão, mas de maneira uniforme, no País, não produziu os efeitos desejados”, afirma Carlos Silva Filho, diretor executivo da Abrelpe. 

De acordo com a pesquisa, o atraso em oferecer uma destinação adequada dos resíduos vai à contramão da produção deles, que cresce ano após ano. Segundo o levantamento, entre 2010 e 2014, a geração de lixo aumentou 29%, enquanto o crescimento populacional no período foi de 6%. “E se aumenta a geração, tem de aumentar também a solução. Ou ela vai ficando cada vez mais cara”, diz Silva Filho. 

Um estudo publicado no mês passado pela Abrelpe estimou que seriam necessários investimentos de R$ 11,6 bilhões até 2031 em infraestrutura, para levar a destinação final adequada dos resíduos sólidos para todo o País. Isso resolvido, pelo menos outros R$ 15,59 bilhões por ano, calcula a entidade, seriam indispensáveis para custear a operação e a manutenção de uma estrutura que envolva aterros, coleta seletiva, reciclagem e reaproveitamento do biogás.

Esses custos parecem ser o argumento para a demora no cumprimento da lei. No começo de julho, um projeto de lei foi aprovado no Senado prorrogando o prazo para cumprimento da lei até 2021. O projeto segue para a Câmara. 

De acordo com Silva Filho a etapa inicial de criação da infraestrutura deveria ser bancada por um fundo nacional, com participação dos Estados, mas que a verba de manutenção deveria vir dos próprios municípios. Algo como uma “taxa do lixo”, a ser paga pelos cidadãos. “Se dividirmos esses R$ 15,59 bilhões pela população economicamente ativa do País, daria R$ 6,50 por pessoa por mês. É um custo pequeno. Mas, para isso, é preciso vontade política.” 

Segundo o Estadão, quando procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente, órgão que coordena o comitê interministerial para acompanhamento da política, disse que houve “resultados significativos”. Citando dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e fazendo uma comparação de 2008 a 2013, o órgão alega que o número de cidades com aterros sanitários dobrou no período, passando de 1.092 para 2.200. 

O número traz um cenário até menos animador que o da Abrelpe, uma vez que coloca apenas 40% dos municípios em adequação, contra 58,4% no estudo da empresa. Em relação ao projeto de lei que prorroga os prazos, o ministério disse que tem se posicionado contra a simples prorrogação, mas que entende “que há muitas questões para serem resolvidas que precisam ser repactuadas para o cumprimento da lei”. 

Enquanto uns preferem as prorrogações, outros dizem ser inadimissíveis. Os prefeitos dos municípios do Paraná dizem que a extensão do prazo é um erro e não é a solução para o problema. “É lamentável esta decisão se passar pela Câmara. Todo o trabalho que fizemos para articular os consórcios pode ser perdido porque a medida só beneficia prefeitos que não vão ou não podem tentar a reeleição”, analisa o prefeito de Astorga, Arquimedes Ziroldo, o Bega (PTB), e presidente do consórcio de gestão do Programa de Desenvolvimento da Região da Amusep - Associação dos Municípios do Setentrião Paranaense - (Proamusep).

Claro que nem tudo está perdido. Pontos positivos também podem ser compartilhados, como é o caso das capitais de São Paulo, Rio e a região metropolitana de Belo Horizonte que foram citadas como alguns dos bons exemplos de ação do poder público para se adaptar à Política Nacional de Resíduos Sólidos. 

Em São Paulo, a criação de duas centrais de triagem pela gestão Fernando Haddad (PT), no ano passado, foi elogiada por aumentar o potencial de reciclagem. A Prefeitura trabalha com a meta de que, até 2016, a coleta seletiva – que ainda não atinge 32% das casas paulistanas – seja oferecida em toda a cidade e alcance 10% dos resíduos secos. O Rio também mereceu destaque por ter conseguido fechar o famoso lixão do Gramacho, que foi tema do documentário Lixo Extraordinário, de Vik Muniz. 

Carlos Silva Filho, diretor executivo da Abrelpe, afirma que ambas as cidades “avançaram bastante” após fazer investimentos altos, o que ele entende não ser algo possível para todos os municípios. Por isso, defende verbas federais e estaduais e a criação de taxas municipais para a gestão do resíduo. Um exemplo é uma iniciativa do governo de Minas, que criou uma parceria público privada para financiar obras de aterros no anel metropolitano de Belo Horizonte, que reúne 42 municípios. “Se depender somente das cidades, não vai rolar”, conclui.

Agora o que resta é aguardar as cenas dos próximos capítulos dessa novela que parece nunca ter fim.


Responsáveis: jornalista Simone Bastos (SC 02095-JP) e o administrador e jornalista Enio Noronha Raffin

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