segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O fim da cajuína, por Fonseca Neto



(01/08/2011, às 09:26:59)


Quando Pernambuco se levantou há alguns anos defendendo o carnaval do Frevo e do Maracatu do ataque do carnaval das cordas e pipocas, as “vozes da modernidade” se agitaram chamando o paraibano Ariano Suassuna de “medieval”. Quiseram desqualificá-lo. Ele, um defensor das festas populares do Brasil: a história teria passado e ele não percebera, diziam.
E aí, forte e popular, vai o grande carnaval pernambucano. Ali, antes de tudo, valorizado por seus filhos justamente em suas singularidades, tradições reinventadas, ou não, na marcha das gentes e na estética da vida comum. Elas não fazem mal nenhum a Pernambuco, nem ao Brasil; ao contrário. Tradição que enfeia o Brasil é o jeitinho “moderno” de fazer corrupção e desigualdade.
Volta e meia deparamos com o queixume sobre o boi bumbá ter virado tradição de outras terras. E até as tradições vaqueiras em geral repontam como de outras “nesgas de sertão” do interior do Brasil, quando não há lugar nenhum, além do Piauí, que tenha sua história tão vinculada ao que já se chamou de “a civilização do couro”. Aqui e acolá, há setores que estrilam quando de certas agressões ao Estado e a valores de sua identidade coletiva. Mas no geral a atitude é de conformismo, de eloquente indiferença. Por quê? Teriam os brasileiros do Piauí a cabeça ainda mais colonizada que o comum dos nacionais? Por que essa coisa de achar que o que é de fora é sempre mais bonito, de melhor qualidade, mais inteligente? Piauienses acreditam mais que outros que a chamada “globalização” possa ser de mão dupla?
Vejamos agora: a multinacional da coca teria comprado o vocábulo “cajuína” e dele feito a marca de uma de suas gororobas. Por que o faz, se tem o mundo todo para vender seus outros produtos com gosto de um gás alienadoramente colonizador? Empresa poderosa, apátrida na aparência, tem por isso em sua lógica o aniquilamento de qualquer cultura de sabor local das várias regiões do mundo. Dizem que já comprou até o Jesus, octogenário refri do Maranhão.
A cajuína é um símbolo cultural do Piauí. Assim por esse valor de imaterialidade, identitária e agroartesanal, sabe-se que é objeto de processo de tombamento por órgãos que disso tratam em nível nacional e estadual. E relembre-se que, além do mais, é produto com valor econômico, com bom potencial de inclusão social de milhares de pessoas, operárias, ou não, da chamada cadeia produtiva do caju.
Não é de hoje que os “modernos” alardeiam que “a cajuína só não é melhor porque não tem gás”. Eu digo: é legal justamente porque tem sabor; aliás, uma delícia de sabor. Como saborosamente impagáveis são os sucos de bacuri, araticum, buriti, pitanga, limão, cupuaçu, carambola, juçara, cajá ... E desconhecidos do paladar de quem tem menos de 30 anos, isto é, dos filhos daquelas alouradas vendedoras da alienação televisiva que até há bem pouco tempo induziram péssimos hábitos de consumo da criançada brasileira, ensinando-as que o sabor da vida é amorangado e achocolatado –gosto industrial-artificial.
O brado indignado em defesa da cajuína agora vem de Oeiras, do Joca, um militante das redes e titular do Portal do Sertão, da Fundação Nogueira Tapety. Ele vem chamando a atenção das autoridades, em especial das que têm responsabilidades sobre as políticas públicas para os movimentos culturais. Clama contra a indiferença, ou ainda, contra os que vêm apenas para confundir.
No presente caso, muitos não se manifestarão para não “fazer feio” com a empresa, uns por cálculo, outros por covardia, com medo das garras desse leviatã colonizador.
Junto-me ao Joca. Ultrapassado, eu? Não tenho dúvidas de que é missão de nossas vidas denunciar essa miserável ideologia consumista palática (ademais) sem gosto e que fere e vicia a língua de mamandos a caducandos.
Que lembrar aos omissos de hoje quando amanhã, com boba perplexidade, disserem: “até a cajuína deixaram acabar no Piauí”?

(*) Fonseca Neto, da Ufpi, do IHGP, escreve às segundas-feiras nesta página.

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