terça-feira, 19 de julho de 2011

A nova prisão preventiva

 
 
Na antiguidade, principalmente no absolutismo, a prisão não era utilizada como uma sanção penal decorrente de uma sentença condenatória da qual não cabia mais recurso. O acusado ficava preso provisoriamente enquanto durava o processo para, sobrevindo a condenação, ser-lhe imposta uma sanção que, em regra, era uma penitência corporal: morte, decepar um braço, mão, perna, furar um olho, arrastamento pelas ruas, chicotadas etc.

Ao lermos o livro Vigiar e Punir, nos deparamos com a descrição horrenda do suplício de Damiens, condenado em 1757. Este homem, conforme conta Michel Foucault, foi transportado numa carroça pelas ruas de Paris, teve de pedir perdão publicamente e, depois de torturado, teve o corpo puxado e desmembrado por quatro cavalos e consumido ao fogo, com cinzas lançadas ao vento, à vista de todos.

As ordenações filipinas foram pródigas em preverem penas infamantes como aquela estabelecida no §9º, título XXV, do Livro V, imposta ao marido tolerante, que era condenado, junto com a mulher acusada de adultério, ao açoite com um chapéu de cornos na cabeça e depois degredados para o Brasil. O amante era condenado ao degredo para sempre à África, mesmo que o marido traído o perdoasse.

O filme O Nome da Rosa, adaptação do livro de mesmo nome de Humberto Eco, mostra a apuração de crimes realizada pelo inquisidor Bernardo Gui, frei dominicano, que manda prender provisoriamente um frade, seu assistente e uma mulher, acusados de heresia e assassinato.

Durante o julgamento a autoridade do inquisidor não podia ser questionada pelos acusados ou mesmo pelos jurados. Os primeiros eram submetidos à tortura e os segundos ameaçados de processos inquisitoriais. A condenação era certa e a pena geralmente a de morte na fogueira.

Em contraposição a esse estado de atrocidades, surgiu o período humanista, cujo expoente foi Beccaria, defendendo a extirpação das penas cruéis e infamantes, dando lugar à alternativa da prisão, como pena, substituindo aquelas de cunho corporal.
A prisão deixa o seu lado puramente cautelar, de aguardo da sentença, para se tornar a sanção definitiva, o que representou um avanço para a época, vez que as penas de morte e de mutilação foram abolidas na maioria dos países.
Antes da nova lei, no nosso Código de Processo Penal de 1941, um decreto-lei do Estado Novo, a prisão era regra e a liberdade exceção. A rigor, quem era preso em flagrante delito não tinha direito a ser solto, a não ser nos crimes afiançáveis, aqueles cuja pena mínima era igual ou inferior a dois anos. Somente em 1977, com a chamada Lei Fleury, foi possível a liberdade provisória quando o acusado era primário e possuía bons antecedentes nos demais casos.
A prisão sendo regra durante séculos no Brasil, no imaginário popular, se alguém pratica um crime deve ser preso. No sentimento da população, o direito penal deve ser aplicado desde o fato, a apuração e o processo serão apenas para confirmar a prisão já imposta preventivamente.

Daí a perplexidade de muitos quando o Congresso Nacional edita uma nova lei restringindo o âmbito da dita prisão provisória, aquela que se dá antes do julgamento final do processo.
A partir de quatro de julho de 2011, a prisão preventiva somente se dará em três hipóteses: 1) para os crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos; 2) se o acusado tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado; 3) se o crime envolver violência doméstica.

A mudança tem a sua razão de ser estampada no próprio Código Penal, no capítulo reservado às penas restritivas de direito. Pela leitura do art. 44, I, as penas restritivas de direito substituirão as privativas da liberdade quando for imposta a sanção de até quatro anos de prisão. Ora, se ao final do processo, uma vez condenado, o acusado não ficará preso, não há razão para prendê-lo durante o curso da ação penal, em uma verdadeira antecipação da tutela penal.

Para isso, o legislador, inteligentemente, previu o monitoramento eletrônico, o recolhimento domiciliar no período noturno, a suspensão do exercício de função pública ou de atividade econômica, a proibição de viajar e de frequentar lugares ou de manter contato com pessoas, como alternativas ao recolhimento à prisão antes da decisão final do processo.

Mas, a prisão provisória nem de longe foi abolida, ao contrário do que muitos alardeiam. Para os crimes graves, cujas penas máximas são superiores a quatro anos - assalto a mão armada, homicídio, estupro, extorsão mediante seqüestro etc. - a prisão preventiva continua valendo e poderá ser a qualquer tempo decretada.

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