de se criar um piso salarial para os professores, para a instituição 
pública, como eles chamavam na época", disse Roberto Franklin Leão à IHU
 On-Line. 
Há vinte anos, a luta da educação foi 
retomada e o projeto que institui o piso salarial foi embargado por 
alguns governadores. Na avaliação de Leão, os gestores públicos são os 
principais dificultadores do cumprimento da lei que institui o piso 
nacional. "O Supremo Tribunal Federal considerou a lei plenamente 
constitucional. E, então, publicado acordo dessa votação, governadores, 
inclusive o do Rio Grande do Sul, entraram com embargo declaratório. O 
que é isso? Querem mais explicações antes de 
pagar o piso nacional", esclarece. 
O
 impasse em relação ao pagamento do piso salarial para a categoria "está
 mostrando quem tem interesse em educação pública de qualidade e quem 
não tem", frisa Franklin Leão. E enfatiza: "Os professores estão fazendo
 greve para cumprir uma lei que, infelizmente, as autoridades teimam, 
insistem, em não cumprir". 
Na entrevista a seguir, concedida por
 telefone, o professor fala sobre a disparidade salarial, a necessidade 
de elaborar um projeto nacional de educação e das principais 
dificuldades enfrentadas pelo setor. 
Roberto Franklin Leão é 
formado em Educação Artística e atualmente leciona na Rede Oficial de 
Ensino de São Paulo. Foi vice-presidente do APEOESP-SP (Sindicato dos 
Professores do Ensino Oficial do Estado de SP); secretário de formação 
da CUT de São Paulo e membro da direção executiva da CUT Nacional. 
Confira a entrevista. 
IHU On-Line - A disparidade salarial de professores do ensino básico e médio é grande no Brasil? 
Roberto Franklin Leão
 - é grande. Temos situações de salários muito diferentes das redes 
municipais para as estaduais. Para se ter uma ideia, em nove estados da 
federação o piso salarial profissional não é 
pago
 aos professores. E os outros, os que pagam, têm problemas na maneira 
como o fazem. Então, há uma disparidade muito grande entre os salários 
de um lugar para outro, de um Estado para outro e de um município para 
outro. 
IHU On-Line - Quanto ganha em média um professor brasileiro da rede pública de ensino? 
Roberto Franklin Leão
 - Uma pesquisa de 2007 revelou que a média era de 917 reais no ensino 
básico. Só que média é média. Na verdade, a mediana, que é o ponto na 
curva para onde tende a maioria, era algo em torno de 720 reais. Como as
 jornadas de 
trabalho
 são muito diferentes, essa média não serve muito de base para outras 
coisas; é apenas uma constatação. Nós temos salários pequenos e grandes.
 Salários em que os professores ganham melhor e outros que são uma 
vergonha. 
IHU On-Line - Quando começou a luta pela Lei do Piso Nacional para professores? 
Roberto Franklin Leão
 - Posso dizer que desde D. Pedro I, quando o Brasil ainda era colônia 
de Portugal, já se falava em piso salarial para os professores. Antes de
 o Brasil se tornar Império, houve proposta de se criar um piso salarial
 para os professores, para a instituição pública, como eles chamavam na 
época. Então, essa é uma luta de 200 anos. Há uns 20 anos foi 
apresentado um projeto que instituía o piso salarial, o qual foi 
arquivado. 
IHU On-Line - Já foi instituído o Piso Nacional? 
Roberto Franklin Leão
 - O piso está instituído na lei 11.738, de 2008. Mas, desde o dia em 
que essa lei foi sancionada pelo então presidente Lula, aliás, no dia 
anterior, quando foi tomado conhecimento de que a lei seria sancionada e
 que não teria mais jeito de tentar impedir isso, começou um movimento 
para impedir que ela entrasse em prática. Durante mais de dois anos, os 
estados e prefeituras não tiveram a decência -o termo é esse - de se 
precaverem, prevenirem-se e de organizarem as finanças. Porque eles 
apostavam de que a lei seria declarada inconstitucional. Agora, eles 
alegam que o estado vai quebrar, vai à falência. Além disso, eles se 
negam a pagar um valor que o MEC determinou. E nós, inclusive, temos 
divergências com o MEC sobre o valor do piso. Alguns governadores dizem 
que não são contra o piso, mas é preciso ficar claro que eles são, sim, 
contra o aumento. Agem para não pagar, então são contra. Deveriam ter 
feito a lição de casa, mas não fizeram. Agora eles têm que encontrar uma
 maneira de pagar, de priorizar, efetivamente, a educação. 
IHU On-Line - Qual é o valor e as condições para a imediata aplicação do piso nacional? 
Roberto Franklin Leão
 - Existem governadores e prefeitos que vêm encontrando artifícios para 
postergar o pagamento do piso. Ele foi aprovado por unanimidade no 
Congresso Nacional, depois houve arguição de inconstitucionalidade por 
cinco governadores. Já o Supremo Tribunal Federal considerou a lei 
plenamente constitucional. E, então, publicado acordo dessa votação, 
governadores, inclusive o do Rio Grande do Sul, entraram com embargo 
declaratório. O que é isso? Querem mais explicações antes de pagar o 
piso nacional. O governo do Rio Grande do Sul quer o prazo de um ano e 
meio para iniciar o processo de pagamento. Então, percebe-se que há, por
 parte dos estados, medidas puramente protelatórias. Na nossa avaliação,
 a lei é absolutamente autoaplicável. Além disso, é bom que fique claro 
que os embargos declaratórios não têm efeito suspensivo. Aliás, segundo a
 própria interpretação do ministro Joaquim Barbosa, que foi o relator da
 matéria, a partir do momento em que foi publicada a ata do julgamento, a
 qual considerou constitucional o pagamento do piso, ele já está 
valendo, e não há nenhum jeito de postergar o início do pagamento. O que
 estamos assistindo, na verdade, é a falência do Estado brasileiro. Há 
uma lei que constantemente é desrespeitada por pessoas que deveriam ser 
as primeiras a cumprirem. Os governadores estão, na verdade, postergando
 esse ganho. E o pior: os professores estão virando "saco de pancada" 
nas ruas do Brasil. Nós tivemos uma agressão covarde que foi praticada 
na Assembleia Legislativa do Ceará, no fim da última semana, em que os 
professores foram agredidos violentamente porque estavam na Assembleia 
acompanhando a votação de um projeto. Foram agredidos porque o 
presidente da Assembleia Legislativa chamou a polícia e o batalhão de 
choque, que agrediu e prendeu professores. Além disso, educadores foram 
parar no hospital. Então, essa lei está mostrando realmente quem tem 
interesse em educação pública de qualidade e quem não tem. É absurdo o 
que está acontecendo nesse país. é hora de ter um levante nacional com a
 defesa do piso. No dia 26 de outubro, nós vamos fazer uma Marcha em 
Brasília para defender o piso, a carreira e o Plano Nacional de Educação
 com 10% do piso para a educação. Nós vamos parar o Brasil para marchar 
em Brasília. É a nossa marca para dizer que esta lei não está sendo 
cumprida. Os professores estão fazendo greve para cumprir uma lei que, 
infelizmente, as autoridades teimam, insistem, em não cumprir. 
IHU On-Line - Como a CNTE avalia a gestão de Fernando Haddad frente ao ministério da educação? 
Roberto Franklin Leão
 - A questão do ministro da Educação, Fernando Haddad, não pode ser 
avaliada somente pela lei do piso. A iniciativa dessa lei do Ministério 
da Educação foi muito importante. O governo federal trabalhou para que 
essa lei fosse sancionada, com a pressão evidente da sociedade e dos 
trabalhadores da educação da CNTE, que praticamente acampou em Brasília 
durante o processo. E foi por isso que a lei teve unanimidade na 
aprovação. Esta lei não é exatamente o que queríamos. Mas o processo de 
discussão e de avaliação da conjuntura, de avaliação das forças etc, fez
 com que ela chegasse ao estágio que chegou. Sobre a questão do piso, é 
evidente que o Brasil é uma República Federativa e os estados e 
municípios são os responsáveis diretos para implantar o piso. Nós 
fizemos uma proposta ao MEC para que ele não faça convênios com os 
estados e os municípios que não cumprem a lei do piso. Os profissionais 
do MEC acharam a iniciativa simpática, mas ainda não tomaram 
providências para que isso acontecesse. O governo federal tem que ir a 
campo para agir politicamente, convencendo assim estados e municípios a 
cumprirem essa lei. Durante a vigência do ministro Haddad, houve 
iniciativas que considero importantes, como a possibilidade de os 
professores completarem sua formação, o aumento de investimentos no 
orçamento do MEC. O orçamento precisa aumentar mais. Nós não podemos 
conviver em um país do tamanho do nosso, que gasta apenas 5% do PIB em 
educação. Sabemos que o MEC defende 7%. Então, faz-se necessário um 
esforço grande para que o país decida definitivamente que a educação é 
prioridade. Tenho certeza de que o momento é esse. Nós não podemos 
conviver com 14 milhões de analfabetos no nosso país, por exemplo. 
IHU On-Line - Quais são os principais problemas estruturais da educação pública no país? 
Roberto Franklin Leão
 - São três: financiamento, investimento em educação, e gestão 
democrática em todas as estâncias da educação. Os conselhos deveriam 
funcionar de verdade, com participação solidária da comunidade, com 
projeto político pedagógico e a valorização profissional. Valorização 
quer dizer bons salários, projeto de carreira, formação inicial sólida, 
formação continuada ligada às realidades que existem neste país, 
condições de trabalho, porque não podemos conviver com escolas que não 
possuem acesso à internet, à energia elétrica. Existem escolas 
instaladas em espaços que não se presta educação: não possuem 
biblioteca, laboratório, não possuem quadra de esportes, Enfim, 
funcionam em precárias condições, inclusive de higiene, apesar do 
esforço que os funcionários fazem. Precisamos acabar com esta história 
de que primeiro é preciso aumentar o número de vagas nas escolas para 
depois pensar na qualidade do ensino. 90% das escolas particulares são 
iguais ou piores que as escolas públicas, municipais e estaduais. A 
grande escola é a escola pública, e por isso ela não merece se manter 
nas condições em que se encontra hoje. 
IHU On-Line - A CNTE propõe 10% do PIB para a educação e 50% dos recursos do pré-sal para a educação. Não é pedir demais? é possível? 
Roberto Franklin Leão
 - Não é pedir demais. O Brasil tem 200 milhões de habitantes, tem uma 
dimensão continental. Portanto, tem que levar em conta a qualidade de 
educação. A educação, em algumas regiões do país, é muito cara, porque 
as populações vivem em locais isolados. A educação precisa deste 
dinheiro. 10% do PIB brasileiro é algo em torno de 300 bilhões de reais;
 é o necessário. Não defendo o modelo de educação da Coreia do Sul, mas 
eles (os sul-coreanos) já gastaram 15% do PIB em educação. Não vamos ter
 educação de qualidade se não tivermos disposição de investir. Não 
queremos fazer escola pública para o pobre. Queremos uma escola pública 
que tenha qualidade, independente do estado em que a escola esteja 
localizada. Não podemos depender da economia de um estado para assegurar
 a qualidade do ensino. A educação precisa formar para a vida, precisa 
dar condições para as pessoas pensarem e agirem por elas mesmas. O mundo
 do trabalho não pode ser confundido com mercado de trabalho, porque 
mercado de trabalho é para atender demandas que surgem e que precisam de
 mão-de-obra; a educação é a saída para a pessoa viver bem, ser cidadã, 
ser feliz, poder tomar suas decisões. Por isso a educação não se limita 
única e exclusivamente à transmissão de conhecimento. Não podemos 
confundir educação com treinamento. 
IHU On-Line - A CNTE defende a federalização da educação do ensino básico e médio? 
Roberto Franklin Leão
 - Esta foi uma discussão lançada por Cristóvão Buarque, que tem um 
projeto de federalização. Nós defendemos a construção de um sistema 
nacional de educação, que seja articulado, que não permita esta 
pulverização enorme que existe na educação brasileira, ou seja, a 
existência de 5.565 sistemas de ensino. Hoje cada município pode ter o 
seu modelo de ensino. Se não tivermos uma linha mestra, não teremos um 
projeto nacional de educação. 
IHU On-Line - A CNTE é favorável ao ProUni na rede privada de ensino? 
Roberto Franklin Leão
 - De jeito nenhum. Nós aceitamos o ProUni no ensino superior como uma 
medida transitória, porque achamos que o Estado precisa ser o provedor 
de educação de qualidade. E para tanto, o Estado não pode simplesmente 
comprar vagas em redes particulares e investir mais de 80% do ensino 
superior no setor privado. 
IHU On-Line - Qual a
 avaliação sobre o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - Ideb? O
 que ele tem de bom e quais são suas distorções? 
Roberto Franklin Leão
 - O Ideb não consegue captar variáveis que se situam fora do sistema. 
Por exemplo, ele é incapaz de captar situações que acontecem na vida 
familiar do estudante, porque ele não sabe se o estudante que fez 
determinada prova tem problema familiar. Ter um Ideb para atingir uma 
determinada meta e para que ela seja comparada a outros países, é 
complicado. Nós temos que ter objetivos, metas nossas comparadas com os 
nossos próprios resultados. Não é possível comparar países em situações 
diferentes, com construções históricas e sociais diversas. A melhor 
avaliação que se faz, em termos gerais, no país é a Prova Brasil, porque
 ela é feita na escola. Mesmo assim, ela tem desvios e problemas. Nós 
devemos recuperar o papel das avaliações feitas nas escolas e levar em 
conta a realidade escolar e as condições que o aluno tem para aprender. 
Nós estamos avaliando escolas que têm biblioteca, laboratório, que não 
têm vidro quebrado... 
IHU On-Line - A greve dos professores de Minas Gerais, que durou 112 dias, foi justa? Por quê? 
Roberto Franklin Leão
 - Ela foi justíssima. Injusto foi o tratamento dado pelo governador, 
que é o responsável pela greve, na verdade. Os políticos lembram de 
dizer que o aluno é prejudicado quando o professor faz greve. Porém, 
durante o ano inteiro eles esquecem que as escolas funcionam 
precariamente, esquecem que o professor tem uma jornada de trabalho 
extensa. Em São Paulo alguns professores têm uma jornada de 64 horas 
semanais. Se houve prejuízo, a responsabilidade é de quem é responsável 
por manter a educação e o professor. A lógica que embasou e que, 
infelizmente, está embasando hoje é que não se negocia com grevista. A 
greve é uma arma do trabalhador. O ensino é prejudicado porque faltam 
profissionais de diversas disciplinas. Ninguém quer ser professor, 
porque eles ganham muito mal e não possuem perspectiva de carreira. O 
prejuízo da educação ocorre o ano inteiro pelo fato de vivermos a 
educação nestas condições nas quais se encontram. Prejuízo na educação é
 a hipocrisia de dar um diploma para um aluno que, durante um ano 
inteiro, não teve aula de matemática. Isso sim prejudica a educação. 
(Adital, 10/10/11)