quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Cidade símbolo do Fome Zero segue com pouco incentivo e falta até água PT MOSTROU NA PROPAGANDA ELEITORAL uma cidade que os moradores desconhecem

O programa do candidato ao governo do estado Wellington Dias (PT) trouxe na última quarta-feira (27) uma Guaribas dos sonhos, para mostrar que o petista é o grande artífice das mudanças ocorridas naquele município. Guaribas, localizada a 700 quilômetros da capital Teresina, no sul do estado, é a cidade símbolo do extinto programa federal Fome Zero, e foi a responsável por fazer com que inúmeros ministros do então Governo Lula deixassem seus confortáveis gabinetes em Brasília para visitarem o que é um dos mais pobres municípios do País.

Segundo a propaganda eleitoral, hoje, Guaribas, com sua população de 4.401 pessoas, é uma obra prima graças a Wellington Dias e graças a Lula. No programa idealizado pelo publicitário Siqueira Campos, da SA Propaganda, Guaribas possui “água para toda população” e uma escola estadual que orgulha a todos. A trilha sonora usada é hollywoodiana.

É tendo a musicalidade melosa como pano de fundo que duas moradoras do município mostram o que seriam as melhorias trazidas pelos sucessivos governos do PT. Falam da produção de mel, do incentivo do governo para o desenvolvimento através de “barracas”, do curso de doces e salgados e de uma padaria.
O problema é que os fatos, sempre os fatos, eles teimam em vir à tona. E evidenciam que o programa que foi exibido pela SA Propaganda é uma peça feita para enganar a platéia, no caso, os eleitores. Um programa que deve ser assistido e revisto para se entender como um candidato tenta ludibriar os telespectadores. E a menos que tenham errado o nome do município, Guaribas não é aquela exibida na noite da última quarta-feira, ela é bem diferente daquilo. Guaribas é real, possui muitos problemas, muitos que poucos conhecem, que procuram propositalmente esconder ou esquecem que prometeram resolver.

O certo é que se muitos daqueles habitantes tivessem a coragem de gritar em voz uníssona, passariam uma ideia como a que traz a consagrada letra que diz “A gente não quer só comida (Fome Zero)/ A gente quer comida/Diversão e Arte/A gente não quer só comida (Fome Zero)/A gente quer saída/Para qualquer parte”.
“UNDER THE DOME” – A VERDADEIRA GUARIBAS
Os problemas já começam daí. Guaribas não tem saída para qualquer parte. Isso porque Guaribas não possui uma estrada de acesso, prometida pelos governos Wellington Dias e Lula. O que a liga ao município piauiense mais próximo, Caracol, é uma perigosa estrada de terra - com crateras a céu aberto - que os moradores evitam usar porque os deixam “sujos”, e os desestimulam a procurar outros lugares para trabalhar, visitar e se socializar.
Estradas de acesso ao município são cheias de crateras e representam risco a quem precisa se deslocarEstradas de acesso ao município são cheias de crateras e representam risco a quem precisa se deslocar
Além da redoma criada pela falta de perspectiva e de acesso, pela falta de serviços de qualidade, a população está sob uma áurea mais perigosa ainda, a de uma cidade que se tornou um símbolo, e passou a ser um suposto exemplo, um mito que teve início com o Programa Fome Zero. E como todos os mitos, haveria dificuldade para desmistificá-la. Um ponto questionável.

Wellington Dias, em uma de suas propagandas eleitorais veiculadas no rádio e na TV, chegou a ser apresentado como o governador das estradas, mas não asfaltou o trecho que liga Caracol à cidade símbolo do Fome Zero, ainda dependente do Bolsa Família. Mesmo depois de quase oito anos sentado na principal cadeira do Palácio de Karnak. Essa promessa já foi feita em anos anteriores como lembra o lavrador Luiz Alves Rocha no vídeo abaixo. Ele hoje não vota mais em Wellington Dias.
NEM TODOS TÊM ACESSO À ÁGUA. NÃO É COMO AFIRMOU O CANDIDATO
E por que é questionável a ideia do mito Guaribas? Porque o mito em torno do município foi criado por um governo e reforçado pela população pobre que ao não ter nada e receber um pouco, passou a achar que era vista pelo poder público. A realidade é outra, e teimosa. A água que a propaganda eleitoral de Wellington Dias diz estar acessível a toda a população é mais uma afirmação do programa eleitoral sobre Guaribas a cair por terra. No momento, tem acesso à água uma parcela da população urbana da cidade somente. Não sendo o caso, porém, de bairros como São João. Lá a água há meses não se faz presente nas torneiras.

Na parte rural de Guaribas, se é que se pode fazer essa divisão - mas no Brasil ela existe dentro de qualquer município -, ao menos nove povoados não possuem água trazida por uma tubulação como o que pregoa a propaganda eleitoral de Wellington Dias. Fazem parte desta contabilidade os povoados Cajueiro, Zé Bento, Tamboril, Queimada Nova, Angico, Água Branca, Capim, Barreiro e até o Brejão, onde mora o prefeito Claudinê Matias Maia (PTB). Destes, dois povoados possuem mais de 50% dos mais de 3.300 eleitores. São eles Povoado Cajueiro e o Brejão, com cerca de 1.000 e 800 eleitores, respectivamente.

No bairro São João a situação está difícil. A água já não chega mais às torneiras. A evangélica Gildete Pereira da Silva, dona de casa, disse que chega a passar oito dias sem água em sua residência. Em um vídeo gravado (abaixo), ela abre a torneira, e ao contrário da propaganda eleitoral de Wellington Dias feita pela SA Propaganda ... acreditem ... não sai água.
A indignação com a situação mostra seu rosto através da dona de Casa Bianca Correia da Silva, também uma das vítimas das promessas e propagandas enganosas. “O programa do Wellington Dias saiu aí dizendo que tem água na cidade de Guaribas para todo mundo, mais isso é uma fachada. Não tem para todo mundo. Para quem mora na sede tem. Para quem mora no início da cidade tem. Mas para quem mora aqui no bairro São João, que é mesma cidade (...) não tem. Esta nesta situação que você está vendo. (...) A gente pede para que vocês venham nos ajudar, que venham resolver esse problema, porque nós que mora no bairro São João não agüenta mais. Pagar aquilo que nós não estamos usando é crime”, diz Bianca Silva em vídeo gravado (abaixo), abrindo a torneira para comprovar mais uma vez que ... não sai água.
QUE PADARIA?
A letra da banda Titãs segue com o “A gente não quer só dinheiro/A gente quer dinheiro e felicidade/ A gente não quer só dinheiro/ A gente quer inteiro/ E não pela metade”. Não foi o que ocorreu com a tal da padaria que é citada na propaganda eleitoral de Wellington Dias. A padaria faliu. Não existe mais. Está fechada, e serve hoje em dia como moradia para o senhor Francisco de Jesus, um pastor com formação em técnica de eletrônica.

“Éramos em 10 pessoas e não teve lucro nenhum”, quem falou isso à reportagem foi a comerciante Maria Selma da Silva. Aquela segunda senhora que aparece na propaganda eleitoral de Wellington Dias falando sobre Guaribas. Ela está na foto abaixo, no lado direito, próximo ao forno da padaria que já não funciona mais. “Não teve incentivo”, recorda-se, lembrando que o “incentivo” não veio por inteiro, mas pela metade.
Maria Selma, na imagem mais abaixo, olha para o forno da padaria que não funciona mais: 'Faltou incentivo', dizMaria Selma, na imagem mais abaixo, olha para o forno da padaria que não funciona mais: 'Faltou incentivo', diz
A senhora Maria Silva foi contactada pela reportagem e nos esperou num banquinho de rua próximo à sua residência. Vota em Wellington Dias, admitiu. Relatou também que tem uma filha vereadora de Guaribas pelo partido do candidato, o PT, de nome Érica Silva.
Mas quando indagada se realmente Guaribas era tal qual como o prometido, se faltava algo, ela apresentou seu rosário de demandas a ser pedida ao novo governador: “obras, emprego, estrada, calçamento, mais médicos, reforma de casas”, disse, sonhando como projeção para um futuro que deixou de ser cumprido nos oitos anos de governo de Wellington Dias. Selma não quis gravar, mas falou perante oito pessoas sobre a situação do município e acompanhou a reportagem até ao projeto Padaria Zero.
Padaria, que seria fonte de renda para a família, não resistiu à falta de incentivo e acabou fechandoPadaria, que seria fonte de renda para a família, não resistiu à falta de incentivo e acabou fechando
GOVERNADOR DOS MERCADOS?
Também ficou pela metade, ao léu, sem o todo prometido, o mercado público de Guaribas. Logo ele, inaugurado pelo então governador Wellington Dias é por Regina Sousa, atual presidente do PT, quando à época era secretária poderosa no governo. O que se vê do mercado é algo desolador. Em uma de suas propagandas, a agência SA procura passar ao eleitor que o candidato petista é também um homem de mercado público. É um dos primeiros locais que visita ao chegar a um município, segundo informa a agência através dos programas veiculados no horário gratuito.
Mas em Guaribas Wellington Dias não poderá fazer isso. A culpa? Dele mesmo, já que não cumpriu o prometido. As barracas, dadas como incentivo para o empreendedorismo, e citadas no programa eleitoral sobre Guaribas também não existem mais. Perderam sua função. Também por falta de incentivo, do acompanhamento prometido pelo governo federal e estadual à época, quase tudo ficou pela metade. Algumas coisas nem pela metade. Simplesmente não existiram.
Mercado municipal continua completamente inoperanteMercado municipal continua completamente inoperante
E O QUE DIZER DA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL?
O que restaria então da propaganda eleitoral de Wellington Dias na TV tratando sobre Guaribas? A escola estadual, conhecida pelo nome de Centro de Ensino Médio de Tempo Integral Paulo Freire, nome de um dos pensadores mais notáveis e admirados da Pedagogia mundial.

“Guaribas foi uma das primeiras cidades a ter escola de tempo integral”, é o que afirma o programa de Wellington Dias. A escola realmente possui boas edificações, boas carteiras, alimentação para os alunos, mas deixa a desejar em outros aspectos importantes e que comprometem o aprendizado.

Todas as salas foram visitadas e quando se esperava que algo realmente era verdadeiro no material levado ao ar pela SA Propaganda, veio a surpresa. A biblioteca da escola carece de livros, e aceita até doações através do número (89) 3592-0066. “É preciso livros de literatura, gramáticas novas, acervos de química, física, biologia”, disse uma alta funcionária responsável pela escola estadual e que se recusou a dar entrevistas.
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O Centro de Ensino Paulo Freire também precisa de computadores novos. “Pelo menos uns 15”, relatou a mesma funcionária. Outro problema, e não é dos menores, é a falta de um laboratório condizente com a propaganda exibida pela SA.
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Na sala onde deveria funcionar o laboratório o que de mais útil foi encontrado em seu interior foi um esqueleto – cujo seu outro significado semântico está presente em quase a totalidade das promessas feitas por Lula e Wellington na cidade, que chegaram a ser iniciadas mas pararam, a exemplo da elogiada padaria.
Laboratórios das escolas estão abandonadosLaboratórios das escolas estão abandonados
Com a falta de um laboratório os alunos não fazem experimentos de química, física, biologia, não podem estudar com mais detalhes o corpo humano, muito menos ter aulas mais ricas sobre aparelhos reprodutivos, ou educação sexual, mesmo estando numa idade na qual já passaram do tempo de terem mais esclarecimentos sobre esse tema.

Outro problema é que a escola estadual Paulo Freire, em Guaribas, que oferece ensino médio, nunca foi avaliada, a não ser pelo Sistema de Avaliação Educacional do Piauí (Saepi). “Mas não foi bom”, resumiu a mesma funcionária que disse não querer dar entrevistas muito menos se identificar, mas que não se furtou a mostrar a escola e passar informações, ainda que com algumas ressalvas.
MIGRAÇÃO PARA SÃO PAULO É INEVITÁVEL...
“A gente não quer só comer/A gente quer comer/E quer fazer amor/A gente não quer só comer/A gente quer prazer/Pra aliviar a dor”. Esses dois últimos versos da outra parte da letra da famosa canção do grupo Titãs também não são totalmente aplicados em Guaribas, pelo menos para grande parte da população que faz da força seu lugar de refúgio e não se deixa abater pelas incertezas diárias.

É o caso da primeira senhora que aparece no programa eleitoral de Wellington Dias tratando sobre Guaribas, a zeladora Lídia Dias Alves. Ela disse “amar” o candidato, que gravou por livre e espontânea vontade para propaganda eleitoral, disse ter tido uns retoques na gravação levada ao ar, mas admitiu ter feito porque na sua mente o que existe é que o petista - por mais que não tenha feito todo o prometido na época em que podia formar uma dobradinha com o presidente da República -, ao menos fez alguma coisa.

Lídia Alves se refere, embora não saiba dimensionar em números, à evolução de Guaribas no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O município possuía o segundo pior IDH do Brasil, com 0,214, e saltou com o Programa Fome Zero e logo depois com o Bolsa Família para 0,508, numa escala de 0 a 1, onde o 1 é o máximo. Hoje, Guaribas tem 4.401 habitantes, 87% deles recebendo o Bolsa Família. São 933 famílias beneficiadas, com renda média mensal de R$ 182. Mas ficou nisso, deixou somente de ter IDH africano. As outras promessas não foram cumpridas. E a cidade perdeu uma boa oportunidade.
Lidia concedeu seu depoimento para a propaganda do candidato petistaLidia concedeu seu depoimento para a propaganda do candidato petista
Mas como nos versos, até mesmo Lídia Alves não está aliviada da dor de ver os filhos longe, estudando em São Paulo. “Aqui não tem emprego”, resumiu a situação em Guaribas. “E se a senhora pudesse pedir algo para Wellington Dias que ele prometeu e não cumpriu o que seria?” “Eu pediria emprego para meus filhos quando voltassem formados de São Paulo”, falou.

Um dos filhos que Lídia Dias Alves sente saudades é Leiliane Dias, que foi para São Paulo em busca de novas oportunidades - como fazem muitos habitantes de Guaribas - e hoje está se formando em Serviço Social. O outro é Nataniel Dias, que está se formando em Direito. “Eles se formam em 2015. Tenho certeza que quando eles voltarem aqui vai ter emprego para eles. Eu sonho que tudo seja realizado”, falou. Lídia Dias Alves vota em Wellington Dias e um dos seus sobrinhos é ligado ao diretório estadual do PT no município.
ELES DISSERAM QUE A ESPERANÇA VENCERIA O MEDO
Mesmo diante desta infinidade de promessas não cumpridas, o povo de Guaribas, como se viu, ainda não perdeu a esperança de dias melhores. Esta pedindo por isto. Está agarrado às promessas do passado, embora uma maioria crescente há tempos já tenha sido tomada pelo retorno da realidade e tenha consciência das promessas feitas e não cumpridas pela dupla do barulho midiático Lula e Wellington Dias.
Promessas não fizeram o povo de Guaribas perder a esperança de dias melhoresPromessas não fizeram o povo de Guaribas perder a esperança de dias melhores
A pouco menos de 60 quilômetros de Guaribas encontra-se, no entanto, o ingrediente que falta àquela população, usada Brasil afora como símbolo de um governo que combateu a pobreza no país: consciência crítica.

“O mundo muda se você quiser”, é o que diz uma pintura feita em uma casa no município de Caracol, e que durante o rompimento das primeiras horas da manhã eram brindadas com amenos raios de sol.
Repórter: Rômulo Rocha
Publicado Por: Apoliana Oliveira

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